domingo, 23 de dezembro de 2007

O ano mesmo


À soleira da casa modesta

O menino espiava a ruazinha de barro,

Em fervilhante agitação.

Fazia mais sentido a bituca de cigarro

Queimando seus últimos suspiros sem um pingo de inspiração,

Apenas a lembrança da boca, das mãos.

Observava o vai-e-vem incessante dos

Carrinhos com garrafas

De pinga, cerveja, refrigerante,

Ora cheias, ora vazias

E até um leitão morto, dentre

Muitas outras coisas que não distinguia.

Via gente vindo de todos os lados

Em roupas de domingo.

Vinham a pé, no lombo de burricos,

Ou em uma pequena charrete

Conduzida por um senhor de barba branca

Que fumava cachimbo e usava chapéu -

A imagem de menor distância

Entre sua infância e Papai Noel.

O dia passou com os calcanhares passando, suas vozes distintas

Entrecortando o silêncio da poeira aquietando-se no chão,

Até a noite esparramar sobre céu

Seu profundo azul escuro,

Eventualmente espocado por um bissexto rojão.

Através de retalhos bruxuleantes

No breu mais puro dos casebres sem eletricidade,

Via pessoas em volta de mesas,

Servindo-se de alegria em quantidade

– Pareciam vagalumear pela pequena cidade! -

Iluminou-lhe a face um sorriso acidental,

Rapidamente apagado.

Ele continuou ali, sem um minúsculo músculo mover,

Como se houvessem entregue

Em endereço errado o seu convite para viver.

Esperou, esperou cada segundo restante da

Sua angústia genuína

Com seus olhinhos fixos na esquina.

Soaram as badaladas

Em dueto com seu pequeno coração.

Até a décima segunda toada,

Um dó de peito doído de saudade, roxa de tão sufocada...

Do olhar doce no rosto sofrido,

Do colo quentinho, das mãos,

Da voz suave no ouvido:

“- Dorme, filho.”

Trinta e um acabara na contagem em cantilena,

Acompanhando, ao longe, o som da TV preto e branco

Com um chumaço de palha de aço na antena.

O menino imóvel permanecia, sem entender:

Do que tanto ria e festejava esse povo,

Se não passara por ele o tal do ‘Ano Novo’?


Que em 2008 sejamos mais felizes. Mesmo que isso signifique apenas termos consciência de que já somos felizes hoje. Não pela comparação com a miséria alheia mas pelo simples fato de estarmos vivos, amarmos e sermos amados por quem está conosco e por quem já não vemos mais mas vive em nossa lembrança. Tenham fé. E um Feliz Natal.

sábado, 15 de dezembro de 2007


Certa vez li, em um estudo kardecista, que a depressão é uma doença da alma. Aliás, muitas doenças manifestam-se fisicamente bem depois do espírito as ter contraído. Pois é, deu para notar que não estou muito bem hoje... Mas não deixa de ser interessante procurar algo de bom em um estado de espírito desfavorável. Um exercício e tanto, questão de insistência. Isso, a insistência, na maioria das vezes, é a diferença entre um possível fracasso e um estrondoso sucesso. Podem chamar como quiserem: determinação, fé, qualquer nome vale. Mas não confunda: Quando cito "fé" não estou falando em "religiosidade". Religião, cada um tem a sua( Não se engane, até o "não ter uma religião" é uma religião: A crença de que nada é divino). Conheço gente religiosa (de várias religiões) que não tem a mínima idéia do significado da palavra "fé". Você não precisa repetir para acreditar, não precisa doar por doar (doe pelo outro, não por você mesmo, ou será alívio de consciência ao invés de caridade. Uma linha tênue entre o altruísmo e o egoísmo.), só precisa crer. Aí os cânticos, os louvores, as preces, os mantras, os mais simples pensamentos terão o endereço certo. E no final do dia, principalmente daqueles onde tudo aparentemente deu errado, não esqueça: Agradeça! Pode ter certeza, você terá aprendido alguma coisa.



Fé-losofia (20071215 DF)

Dizia minha Vó:

“-Deus é bom.”

Nisso eu até hoje acredito.

Mas dizia ela também:

“Deus está em tudo.”

Disso – O Senhor me desculpe –

Eu já duvidei um bocado.

Estar Deus em todas as coisas,

Significa não só estar aqui, acolá,

Ali do lado,

É estar também nas coisas ruins.

E isso, para mim, soa esquisito.

Pode Deus estar na fome?

Estar nas guerras, na injustiça?

Na preguiça dos governantes?

Não, partindo da primeira premissa.

E era mesmo isso que eu achava antes.

Mas hoje não é.

Nos olhos do soldado, da faminta menina

E do injustiçado percebi a esperança

De logo ver o conflito resolvido,

O estômago saciado

E a justiça triunfante,

Mesmo que somente a divina.

A experiência deixou meu preconceito mudo,

Diria embasbacado, até.

Descobri que Deus não está onde existe tudo:

Deus está onde existe a fé!





terça-feira, 20 de novembro de 2007

Perda (DF, 20112007)


“- O que havia para se dizer já foi dito, tudo agora será repetição”, pensei. Mas não é repetida a barbárie? Então, porque não posso? Não havia sentido vontade de dizer ou pensar nada. Tampouco rezei, achei o Senhor um pouco surdo ontem. Tenho seu perdão pela minha ignorância, sei. Não é proposital a letargia, essa vontade de sentar no chão e chorar até virar poça d’água. Essa mágoa por não poder ter feito ou dito algo capaz de evitar o fato, eufemismo para “tragédia”. É vergonha pura de ser humano, e precisar apelar para não virar estatística, para não ser desvalorizado pelo que possui. É o contrário? Não creio. Quanto mais temos, mais o que temos vale mais do que nós mesmos. Uma moto, um computador, um celular... Tudo é “causa provável” para surrupiar a vida de alguém. Aí apelamos para a justiça, para o governo e para o criador. Uns dizem: “- Deus assim quis.” Mais uma vez, proíbo-me de crer nisso. É sacanagem, um curativo bem sem-vergonha essa história de destino. A idéia do livre-arbítrio não dá a Deus a responsabilidade pela fraqueza, maldade e mau-caratismo de seus filhos, mesmo os mais bastardos. A culpa é de todos nós, por termos transformado a vida nesse trem sem freio onde não enxergamos nada, só o objetivo: Termos mais. Isso acontece todo dia. Vemos pela TV, controlando nossa exposição através do controle remoto. Hoje aconteceu aqui do lado, e estamos chocados, pois o controle remoto não está à mão para zapearmos em busca de uma programação mais segura. Tentando acreditar, repetimos o mantra : “-A vida continua”. Para nosso amigo, com certeza. Para nós, já parou faz tempo.

Esteja na paz de Deus, meu amigo. Por enquanto, ficamos aqui na guerra.




sábado, 17 de novembro de 2007

Óleo sobre tela. (20071117, DF)


Na fronteira tênue

Entre a genialidade e a loucura

Sentam-se, placidamente,

O criador e a criatura.

Somos todos artistas exigentes,

Autistas em solitárias pinturas

Onde só nos interessam realmente as molduras.


quinta-feira, 8 de novembro de 2007

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Ministéricos (DF - Onde mais? - 25092007)




Na política
Não existe espaço para a poesia,
Apenas para os esquemas.
Eles estão para ela
Assim como estão para os poetas
Os poemas.




quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Esses “homens” públicos e seus votos secretos. (DF, 13092007)

Hoje, um dia depois de mais uma vergonha digna de republiqueta, ouço muito falar no “suicídio político” do Senado. Ao absolver um “colega” comprovadamente envolvido em irregularidades, os Senadores da República deixaram claro para o resto da população (resto mesmo, é como me sinto), que se existem duas palavras totalmente dicotômicas essas são “decoro” e “parlamentar”. Mas venhamos e convenhamos: era uma tragédia anunciada. Diante da defesa do absurdo voto secreto, nada se poderia esperar diferente de covardia e canalhice. Para mim é uma questão simples: se dita “coisa” é pública, públicos precisam ser seus históricos, suas posições (nisso incluem-se os votos) e suas contas (a não ser, logicamente, nos casos de segurança nacional – a serem previamente muito bem definidos.). Fora isso, é papo para soneca de bovino. Da questão do “suicídio político”, discordo: O “banzai” foi gritado bem antes, nas urnas eletrônicas, e os kamikazes fomos nós mesmos. Não creio na existência de um problema de “clima” no Senado para votações daqui para diante, como querem fazer parecer. A maioria do bando sempre acaba se entendendo, bastando para isso acertarem os valores (financeiros, é claro. São os únicos importantes para essa “gente”). Perguntado sobre a crise, o Presidente da REBUblica deu a entender se tratar de um problema interno, dizendo que “desde que o Senado voltasse a funcionar, tudo estaria bem” . Depois de declarar não acreditar na existência do “mensalão”, apenas de “pequenas corrupções isoladas” não se poderia mesmo esperar outra coisa.
É no mínimo triste ver um sujeito ir diante das câmeras bradar contra a corrupção e a impunidade, acenando com a cassação para “reafirmar a ética da casa” para depois esconder-se atrás do voto (ou da omissão de uma abstenção), dando vazão ao mais imundo corporativismo e transformando o Senado em um trenó, comandado por Renan e suas renas. A diferença da história infantil é que dentre elas não existe nenhuma com o nariz vermelho. Este está mesmo é na cara do cidadão.




Depois disso, só me resta fechar com uma homenagem a um crítico contumaz dessa bandalheira:

Chique-Chico (DF 13092007)

Quando, criança, fazia arte,
Por vezes a mãe rezava para meu futuro
Manter manhas e artimanhas à parte.
“- Êita menino danado! Saiu aos seus parentes,
Não aos meus!”- bulia com o pai.
Hoje, quem acompanha esse pequeno servo de Deus?
Os amigos fiéis, parentes ou não,
Ou apenas aqueles a quem prometeu estender a mão?
Velado?
Escancarado?
Qual o interesse motiva essa lealdade?
Ânsia pelo sucesso esperado,
Caçado como deveriam ser
Senadores ao invés de focas,
Mortas enquanto o Senado
Absolve a si mesmo no breu das docas.
É, cito Chico,
O Buarque,
A boa arte do Brasil,
Não da Holanda graças a Deus!
Mas, reconheço, se assim fosse
Os personagens seus não pagariam tão alto preço.
Fosse o Chico mesmo da Holanda
- Para dar à conversa um começo -
Teria ela a poesia tão à flor da pele
Que seria até capaz de por ele dobrar seu ele.
Ninguém por lá morreria na contramão
Atrapalhando o sábado,
Geni não mais se sacrificaria,
Deitando com o homem do Zepelim
Para salvar você ou a mim,
Os cavalos falariam não apenas inglês ,
Mas também holandês, frisão, alemão e francês,
E todos por lá seriam heróis.
Mas, por aqui “O que será?” viraria “O que seria...”,
“O que seria de nós?”



quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Nós, tatus-bolas.

Viver é uma arte, e dela faz parte sermos alegres ou tristes. Um grandioso espetáculo para o qual somos convidados antes de nos conhecermos. Um evento exclusivo onde estamos juntos e, por nossa própria conta. Aprendemos ou desaprendemos, contemplativos, participantes ou de olhos cerrados. Renegamos o certo, aceitamos o errado. Nos perdemos e, às vezes, somos encontrados. Não reconhecemos sempre, mas somos abençoados, por termos amigos que sorriem e sofrem ao nosso lado. E esses amigos se reconhecem até no meio de uma tempestade, ou no frio de uma longa ausência. Com a anuência de sermos humanos, falíveis e passíveis de acertos. Com a petulância de desconhecer que nada conhecemos, na ânsia de parecermos sábios de galocha. Perdidos como um tatu-bola em uma partida de bocha.


sábado, 11 de agosto de 2007

Mascate (11082007 DF)

Vendo palavras usadas,
Quase novas.

Vendo a venda que me vendava os olhos
Enquanto levavam minha alma vendida.

Vendo emoções usadas de todos os tipos e tamanhos,
Para todos os momentos da vida.

Vendo conhecimentos profundos e tacanhos,
E histórias que nunca seriam mesmo lidas.

Vendo emoções novas ainda na caixa,
Com nota fiscal, mas sem garantia.
Dou de brinde um pacotinho de sorrisos
Amarelados pela validade vencida.
Compre de mim a honestidade digna de ser sua,
A verdade despida, crua,
Mal assada, ou ao ponto.
- Verdade não é se for passada,
Apenas malfadada recordação,
Argumentação frustrada,
Como toda tentativa, em vão.

Vendo tudo isso, não nego.
Vendo, mas não entrego!


terça-feira, 17 de julho de 2007

Não fuja da vaia. (17072007DF)


Tenho ouvido muitas críticas ao comportamento do povo carioca na abertura do Pan, quando vaiaram impiedosamente o Presidente Lula. Concordo, pode até ter sido exagero, mas discordo do argumento usado para rechaçar a nossa "falta de educação". O que mais escuto é: "-Que absurdo! Se não fosse o Lula, o Pan não aconteceria. " Sinceramente, adoro esporte mas entre o Pan e a lisura, a ética e a atitude, fico com as três últimas. Quero saúde, segurança e educação (essa mesmo, que dizem ter faltado). Eu , se estivesse presente à cerimônia, teria vaiado também. Não à pessoa Luis Inácio. Vaiaria um presidente que me empurrou goela abaixo um diploma de idiota, querendo fazer-me crer no seu total desconhecimento ante as irregularidades (para não usar uma palavra pior, correndo o risco de parecer mal-educado) praticadas pelos seus companheiros de tantos anos. Vaiaria um governo desgovernado pelos constantes escândalos, onde o Presidente do Senado recebe dinheiro de um lobista e pede desculpas pelo adultério à sua esposa, fingindo não entender a traição realmente importante, a praticada contra a nação (e tem gente preocupada com a imagem do país no exterior por causa da vaia...). Respeito as opiniões alheias, mas para mim a pior falta de educação é vender o voto, seja qual for o pagamento. Pode ser uma rua asfaltada, uma quadra de esportes, uma dúzia de cestas básicas, ou um Pan.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

16 de junho de 2007


Passou-se mais um ano.


Já são trinta e nove.


É quase fim do primeiro tempo.


O alento é a fome,


É a vida que come os dias, as horas, os minutos


Desde os primeiros segundos,


Naquele décimo-sexto dia de junho,


Pouco depois das treze horas


- Nunca gostei de acordar cedo .



E nunca é mesmo tarde para acordar para a vida.


Sei, é clichê.


Não podia deixar de ser.


Mas não são também a felicidade, o amor,


a dor e toda a sorte de sentimentos?


Quem da vida destes não ganha


Passa para a morte sem diferença mínima,


Como se muda de calçada:


Não muda nada,


Apenas o lado da terra pelo qual se caminha.


Não sei quanto a vocês,


Eu quero minha vida repleta de clichês.





quinta-feira, 7 de junho de 2007

Feliz cidade para todos. (07062007DF)

Já ouvi dizerem por aí que a felicidade completa é uma balela, um engodo: “- É como uma droga que te vendem, prometendo uma ‘onda’ eterna, mas que só dura um ‘tantico’ assim” - disse Clotilde. Pode até ser, mas sou um daqueles descontentes em viver parcialmente feliz. E continuo tentando (pelo menos é mais saudável do que as drogas). Não posso ficar exultante ao ver minha cidade maravilhosa sitiada pela violência, ou em estar longe daqueles que amo tanto. Quase discuti ontem, quando um Brasiliense falou mal do Rio. Falar mal do Rio é como falar mal do filho da gente. Só a gente pode. Mas, confesso, tinha uma idéia totalmente diferente daqui. Aqui, não tem praia, não tem o calor do nosso povo nas ruas (como isso faz falta!), não tem o Pão de Açúcar (vá lá, só o supermercado...), não tem o Cristo Redentor (maravilha que está quase pondo as mãos para o alto) e tudo é muito mais caro. Mas tem paz, artigo de luxo no nosso balneário. A polícia é bem remunerada, as viaturas são novas e as ocorrências, digamos, menos ocorrentes. As vias parecem um enorme Aterro do Flamengo, com a linda vegetação do cerrado. A falta de morros deixa a visão ir longe e 50 km viram “logo ali”.Estou perto do “crime capital”, mas as ruas são relativamente seguras. Acho que a maior parte dos bandidos fica confinada em outro lugar...


Mudança (07062007DF)

Foram o forno, o fogão,

Os badulaques passando de mão em mão,

A geladeira, a televisão, a máquina de lavar, alguns móveis,

outros, imóveis, ficaram:

Deixei-os para meus irmãos.

Mudas de roupa, apenas as da estação e as afetivas.

- Como aquela camiseta de algodão toda cerzida,

por vezes ameaçada de virar pano de chão. -

Fechou-se a porta e o caminhão seguiu

Como se nada tivesse deixado para trás.

Eu, no avião, sentia a falta de algo.

Pensei, refiz meus passos,

Reli a lista em voz alta,

Adiei o cansaço e a leitura

Para vasculhar a mochila...

Nada!

Olhei minhas mãos vazias,

Trancei-as e torci os dedos

Até cada falange estalar.

Por fim, pousei-as sobre o peito

E notei que faltava um batucar.




domingo, 20 de maio de 2007

Ausência (27052007DF)


Desculpe não ter passado para te ver,


Não ter ligado depois, ou antes.


Não ter me postado na sua entrada,


No seu Orkut, no seu e-mail.


Perdoe a falta do meu aceno


Na porta da casa


Outrora minha.


Estou em trânsito


Em portos, aeroportos,


Estações, plataformas.


Idas, vindas... vida.


Ando sentindo ausências


- A minha e a de todos -


Acho-me meio perdido,


Um alóctone sozinho,


Em um barco sem remos.


E sem rimas.


sábado, 14 de abril de 2007

Se há Deus, a Deus. Ou então... Adeus!

Corri para a rua no primeiro tiro,

A tempo de ver o carro dobrando a esquina.

Ouvi o distanciar do bangue-bangue

Enquanto enrolava-se em agonia e sangue

O corpo esguio da menina.

Pararam um táxi para prestar socorro.

Acomodaram-na com cuidado,

Usando uma colcha emprestada como forro.

A polícia chegou,

Ninguém viu nada,

Todo mundo nada sabia.

A única testemunha era o sangue no passeio

Por onde passeávamos todos os dias.

No breve silêncio desta soluçante realidade

Só me resta ter saudade de outros barulhos:

Das crianças brincando de bola,

Pique, carniça, saladas mistas tendenciosas,

De inocentes polícia e ladrão.

Da sineta do pipoqueiro,

Do carrinho de sorvete,

Da cigarra na bicicleta do garoto trazendo o pão.

Valha-nos o Deus destas cidades!

Do meio-fio da navalha por onde andava o sossego,

Antes de ser pego de surpresa

E tombado sobre o tabuleiro pintado

No tampo de pedra da mesa.

Existe hoje no local um modesto altar

Onde pedem graças os desvalidos,

Diante uma pequena cruz e algumas imagens,

Velas acesas e pedaços de papel com pedidos e mensagens,

Todas elas fartas em fé e sofrimento.

- Continuam sendo feitas apostas naquela placa de cimento.

Valha-nos o Deus dos lares de paredes finas,

Das janelas sem blindagem e sem cortinas.

Dos túneis, vias, dos bares pela cidade,

Dos bordéis, motéis e até da Igrejinha da comunidade,

Onde a celebração matutina foi interrompida

Quando uma bala perdida estilhaçou os vitrais,

Partindo em pedaços a imagem da pomba da paz.

O povo tentou juntar os cacos

Mas eles não se encaixavam mais.



domingo, 8 de abril de 2007

...

Todos nossos problemas, provações,
As provocações do destino
São pequenos grãos dos grãos de areia
Comparados aos sofridos por aquele menino,
Saudado por reis,
E traído por seu próprio povo.
Lembrem disso,
Sempre que pensarem em desistir de novo.


Boa Páscoa .

sábado, 31 de março de 2007

Ah, vai pra...



“Armas não matam pessoas. Pessoas matam pessoas.” O fdp que cunhou essa frase só podia estar de sacanagem. Já pararam para pensar no tamanho da idiotice? Se não fosse para matar, qual seria função delas? Um 38 como peso de papel? Alguém imagina um AK-47 escorando um varal? Valham-me Nossa Senhora dos Antibélicos e São João dos Coletes à Prova de Balas. Mas um Estado que diz “Estupra, mas não mata!” só pode gerar este tipo de distorção. Um Estado de verdade não deixaria acontecer nem uma coisa nem outra.

terça-feira, 27 de março de 2007

Idéias preservativas.

Assisti a uma reportagem sobre o uso da camisinha. Coincidência ou não, foi exibida logo após a uma matéria cujo tema principal era o significado da palavra “hipocrisia”. Bem, a reportagem começava com um clérigo falando sobre a posição (!?) da igreja, notadamente contrária ao preservativo (afinal, sexo só com fins de reprodução!), e passava para um grupo de jovens com a mesma opinião. Escutei as justificativas e, admito, algo me incomodou (e não foi a camisinha). Uma certa miopia intelectual, a idéia de uma crença não admitir diferença. A certa altura da reportagem, em um grupo de discussão, um dos jovens argumentou que a campanha pelo sexo seguro e a educação sexual nas escolas incentivava a iniciação precoce e o sexo indiscriminado, e todos os outros concordaram. Rapaz, então estamos em perigo mesmo: seremos todos magérrimos de caráter, graças à ética dietética dos nossos políticos, e viciados, por conta da distribuição de seringas descartáveis para usuários de drogas. Tadinhos de nós! Precisamos sumir urgentemente com os rádios, aparelhos de TV, jornais, revistas, enfim, tudo capaz de influenciar nossa ruína, da propaganda daquele carro esporte, cujo único intuito é fazer nosso pé pesar sobre o acelerador até nos espatifarmos em uma árvore, ao biscoitinho de chocolate que conspira para o acúmulo de calorias, para o aparecimento da diabetes e de outros males advindos do excesso de peso. Vi uma arma na vitrine de uma loja de caça e estou doido para atirar em alguém. Lembra daquele filme onde os heróis ziguezagueavam por um campo minado? Pois é, Juquinha assistiu, pegou um avião para a África e acabou explodindo-se. Informação? Para quê? Não viram Equilibrium*? Informação incita a tentação! É o demo, transforma mentes em formação em mentes em deformação! A solução é colocar o livre-arbítrio em cana. Vamos nos interditar, assinando a declaração de incapacidade em gerir nossas atitudes ou de educar quem quer que seja. Quer dizer, assinar não vai dar (somos in-ca-pa-zes, esqueceu?). Será difícil arrumar tutores para tanta gente. Talvez o pessoal da entrevista não tenha percebido, mas não estavam abolindo a camisinha. Estavam apenas trocando-a de lugar.

*Nas locadoras. Recomendo.

terça-feira, 20 de março de 2007

Disparo acidental.


Por favor, desculpe-me.

Não era minha intenção

Acertar-te o coração em cheio,

Mas você pôs-se bem no meio deste fogo amigo

- Quiçá amado.

Foste inábil para saltar de lado

Ante o disparo dos versos,

Culpados por roubarem tão raras lágrimas.

Dispenso o recesso, o contraditório

E sua ampla defesa de palavras vazias.

Fui eu!

Sou o assassino confesso da tua apatia.

domingo, 18 de março de 2007

Silêncio: a discussão mais íntima.

- O problema, Clotilde, é que eu falo pra cacete. Até quando estou quieta, desando a tagarelar em silêncio, comigo mesma. Dormindo ou acordada, parece existir uma multidão dentro da minha cabeça, igual a um mercado persa, gritando, urrando para ser ouvida. Cada um diz uma coisa, como em um pregão, oferecendo suas idéias para eu decidir qual tem mais ou menos valor. Aí você, sentada na outra ponta da mesa, olha para mim e comenta com a pessoa ao lado:

-Olha a Quitéria... Como é calma! Invejo sua placidez.

-Placidez. Qual nada! Estou é discutindo...


sábado, 17 de março de 2007

A menina dos olhos






Vai passando um pequeno carro sem freio

Com uma menina e seus óculos de aros vermelhos.

O carro tem volante, mas não tem governo.

Sabe-se dele o início, mas não o termo.

Vai ao sabor das ruas

Como vão as marés, das fases da lua.

Através das pequenas janelas,

A criança vê o mundo com olhos de colorir,

As imagens enchendo-lhe a pança das retinas

Até as lentes pularem da face

De riso e choro fáceis.

A pequena dá de ombros

E tateia o chão com a mão até encontrar

- Surpreende-se o mundo, sempre atento,

Ao perceber que em nenhum momento ela desvia-lhe o olhar.


sexta-feira, 16 de março de 2007

BBB - Big Boss Brasil

A propaganda política é um tormento. O horário eleitoral só é gratuito para os aspirantes aos cargos eletivos; para nós, contribuintes, custa muito. É de uma inutilidade pública sem precedentes o discurso batido dos "gatos-mestres" da política ou as bizarras (para não dizer ridículas) tentativas de chamar a atenção em poucos segundos (pensei que, para votar, precisávamos levar o sujeito a sério). Assistir besteira, todo mundo assiste (não adianta negar!), mas por livre-arbítrio. Então, vai uma sugestão: confinar os candidatos em uma casa (ou uma assembléia ou câmara cenográficas, vá lá...) e monitorá-los durante três meses, em um grande Big Brother Eleitoral. O Big Boss Brasil substituiria por completo as (para nós) inúteis campanhas eleitorais e divertiria muito, mas muito mais do que o original. Pois é, desse eu até compraria o pay-per-view...


Qual é a receita?










Chega um senhor e joga o CPF em cima da minha mesa:

- O quê que o meu CPF tem?

Calmamente, levantei as mãos e respondi:

- Olha, eu não sou médico. Mas, olhando assim, ele parece estar bem...

O cliente abandonou a agressividade:

-É que eu recebi uma carta dizendo que a receita estava irregular...

Percebi:

-Sei. O CPF está irregular na Receita. Então o sintoma é outro. Pode sentar, e vamos salvar o paciente!

domingo, 11 de março de 2007

Achados e Perdidos.

Desconjuntura

Toda a norma é uma forma de conduta

Dos dez mandamentos à pensão de alimentos

A sanção é a resposta ao não

Ao desrespeito, à omissão

Culpa, multa, privação de liberdade

Nem sempre protegem a sociedade

Crimes praticados são leite derramado

A causa já era, resta o efeito

Sem reparação, sem jeito

Toda norma é uma forma de conduta

Para todos os filhos da mãe

Mas não para os filhos-da-puta

Seminus em cuecas dolarizadas

Com cara de quem não deve nada

Nada a declarar, nem a vocês, nem à receita

Com o tempo, tudo se ajeita

Basta acreditar no presente

Deixar o passado de lado

Comprar um carro para um deputado

Preencher um cheque, acender para o diabo uma vela

É o que transforma este país alquebrado

Naquele menino da favela

Que pensa sonhar ser respeitado

Mas com todo o ódio reprimido

Deseja mesmo é ser temido

Ostentar no pescoço grossos elos de ouro

Tal qual a argola no focinho do touro

Pelo alarido da multidão, tão envaidecido

Nem percebe estar prestes a ser abatido

Acha que ser humano

É ser bandido americano

Pegar sol no Havaí

Caçado pelo FBI

domingo, 4 de março de 2007

O mau Censo.


De fato, não há lá, no inferno, boa intenção alguma.

Apenas belos e mal-intencionados atos e suas mumunhas.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

A legítima defesa.


Se a verdade nos libertará,

Libertemo-la primeiro

Arrumemos um habeas-corpus

Ou subornemos o carcereiro...

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Insônia (05/01/2007RJ 2:42 A.M.)


Acho que o sono não vem hoje.

O danado vai fazer fortait!

Deve estar por aí, na putaria.

Com certeza arrumou um affair,

Desses onde a gente se lambuza

Até o raiar do dia levar embora.

E eu sozinha, neste quarto onde nem a luz entra

- Minha angústia, parece, a apavora -

Percorro em reviravoltas quilômetros de lençóis.

Eles enroscados em meu corpo

Como a explorar meus contornos,

Aproveitando a oportunidade de estarmos a sós

Para procurar novidades

Por entre minhas protuberâncias e cavidades.

Desvencilho-me.

Meu sofrimento é corno, arredio, passional, perigoso.

O fastio não permite o gozo por um qualquer desejo abjeto,

Sequer derrama uma só gota de afeto.

Na boca reclama a azia desse tesão indigesto

Que atiça os miolos e me toma por escrava.

Outra vez fecho os olhos

O sono não vem

Só me vêm palavras.

Pudesse mandar-lhe um recado, diria agora:

Se vais chegar atrasado, nem dê-se ao trabalho de vir!

Ousa, e mandar-te-ei embora!

Pudesse ele ouvir, calaria em um sorriso

Por conhecer de mim tão bem por dentro e por fora

E saber o quanto dele preciso.

domingo, 25 de fevereiro de 2007

Erro de perspectiva.



Tem gente que ainda acha a vida um saco. O saco foi antes...

Pensando com os botões...


Almoçava calmamente, quando a TV do restaurante mostrou uma manifestação de repúdio ao ato criminoso do qual foi vítima o menino João. Na mesa ao lado, dois casais conversavam. Tão logo a reportagem começou a ser exibida, um dos homens, vestido com a camisa da seleção brasileira, bradou: “-De novo? Já não agüento mais isso, todo mundo agora quer aparecer!”. Lembrei de ter ouvido de um psicólogo a tese de que quem pratica atividades perigosas refuta em visitar companheiros acidentados. É admitir a indesejável proximidade da fatalidade. Aquele sujeito era metáfora perfeita de um país cujo único controle capaz de aliviar as mazelas é o remoto. Zapeamos em direção à segurança de uma minissérie, filme, videoclipe, daquele documentário sobre as – bem menos selvagens - savanas africanas ou até de uma reportagem sobre os conflitos no Oriente Médio, igualmente sangrentos, mas atenuantemente longínquos das nossas lágrimas nada ficcionais. Ok, admito: Nas manifestações sempre existem as pessoas que nem suspeitam do motivo da mobilização, mas gostam dos flashes, das câmeras. Mas, e daí? Tanta gente só aparece em escândalos, factóides, maracutaias ou – quase tão ruim - não aparece nunca, para nada. Pelo menos os surfistas deste tsunami de violência fazem número com os legitimamente indignados para uma causa justa. Penso com meus botões (não os do controle remoto): Será que o cara do restaurante cansa de rever os gols do último campeonato?

sábado, 24 de fevereiro de 2007

Aliás...



Sozinha, depois que todos morrerem, de que
adiantará a esperança?

Luto? Então, Lutemos!


Estamos de luto. A cada esquina, nossas famílias têm menos pais, mães, filhos. Somos todos órfãos de paz em minutos de silêncio e longas horas de desespero. Mas ‘LUTO’, esse substantivo, precisa crescer, virar verbo. Então, LUTEMOS! O direito à barbárie não é humano, é uma aberração inominável cuja alcunha não deve ofender inocentes animais. Quem reduzirá NOSSA pena a um terço, que seja? Somos condenados por bom comportamento! Por acreditarmos na justiça, por sonharmos com segurança para passearmos com nossas famílias. Vivemos em uma nação arrastada pelo crime. A corrupção, a impunidade e todos os desmandos renderam nosso destino e dirigem o bonde da história na contramão do desenvolvimento, em uma via de radares fora de alcance e pardais abatidos a tiros. Brasil? Não! Este país, a partir de agora, deveria se chamar João!

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Adoro você! A não ser que...


Os sentimentos são iguais à comissão de frente da Mangueira: trocam de roupa várias vezes durante o desfile. Somos volúveis ao eleger os anjos e os demônios encarnados nas coisas ao redor. Digo “coisas”’, porque o alvo de nosso contentamento ou repulsa nem sempre é uma pessoa ou animal. Pode ser o celular, cujas barras de sinal teimam em desaparecer justamente no momento daquela ligação importantíssima, que já durava dez minutos entre mensagens e esperas, tentando solicitar o conserto do telefone fixo, inexplicavelmente mudo. Depois de passar seus dados para quatro operadores diferentes, a ligação cai impiedosamente e você levanta o braço para arremessar longe o aparelho. Nesse momento, como por milagre, as barras voltam a aparecer e a esperança também. O jeito é segurar o braço na posição e tentar falar com a companhia, mesmo isso significando passar mais vinte minutos sobre a mesinha de centro. Por fim, visita agendada e esquecida a angústia das seguidas tentativas, o celular volta a ocupar o espaço cativo no bolso ou bolsa, recuperando seu status de “indispensável”. Notaram? O aparelhinho foi do inferno ao céu e nem saiu da mão! Alcance maior, impossível.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Sar...all (Um encontro de universos e prosas)


- Será que vai demorar pra começar? Amanhã preciso acordar cedo.
- Conheço você de algum lugar, será...Milão?
- Brigado, posso fruta não...
- Japão?
- Também nada de carbs, tô numa dieta fina, só proteína até o reveillon. Talvez assim consiga caber, sem muito me espremer, naquele lindo conjuntinho marrom com detalhes brancos e dourados.
- Isso já resolvi: fiz uma lipo dos lados, aqui na frente, e tenho um personal muito competente. Sua dieta quem receitou? Qual nutricionista?
- Nenhum. Copiei da revista de uma amiga do consultório.
- Não diga. Você é médica?
- Recepcionista da clínica do Dr. Gregório, sabe qual é? Aquela grande, perto do posto três?
- Sei. Da minha casa dá para ir a pé.
- Sorte sua. Da minha demora, de uma hora e meia a duas. Mas venho para a queima de fogos, estou doida que chegue logo... E você, também fica em Copacabana?
- Londres, na próxima semana, depois, New York, aí parto para a Coréia do Sul. Você?
- Paris, avenida em Bonsucesso. Lá mora uma tia, velhinha, de quem sempre me despeço. – Insistência dela, não minha . Passo em Copa e vou direto para Nova Iguaçu.
- Uh!
- Que foi? Pisei em você?
- Nada. Acho que foi o patê...com licença, prazer em conhecer.

(18122006)