domingo, 23 de dezembro de 2007

O ano mesmo


À soleira da casa modesta

O menino espiava a ruazinha de barro,

Em fervilhante agitação.

Fazia mais sentido a bituca de cigarro

Queimando seus últimos suspiros sem um pingo de inspiração,

Apenas a lembrança da boca, das mãos.

Observava o vai-e-vem incessante dos

Carrinhos com garrafas

De pinga, cerveja, refrigerante,

Ora cheias, ora vazias

E até um leitão morto, dentre

Muitas outras coisas que não distinguia.

Via gente vindo de todos os lados

Em roupas de domingo.

Vinham a pé, no lombo de burricos,

Ou em uma pequena charrete

Conduzida por um senhor de barba branca

Que fumava cachimbo e usava chapéu -

A imagem de menor distância

Entre sua infância e Papai Noel.

O dia passou com os calcanhares passando, suas vozes distintas

Entrecortando o silêncio da poeira aquietando-se no chão,

Até a noite esparramar sobre céu

Seu profundo azul escuro,

Eventualmente espocado por um bissexto rojão.

Através de retalhos bruxuleantes

No breu mais puro dos casebres sem eletricidade,

Via pessoas em volta de mesas,

Servindo-se de alegria em quantidade

– Pareciam vagalumear pela pequena cidade! -

Iluminou-lhe a face um sorriso acidental,

Rapidamente apagado.

Ele continuou ali, sem um minúsculo músculo mover,

Como se houvessem entregue

Em endereço errado o seu convite para viver.

Esperou, esperou cada segundo restante da

Sua angústia genuína

Com seus olhinhos fixos na esquina.

Soaram as badaladas

Em dueto com seu pequeno coração.

Até a décima segunda toada,

Um dó de peito doído de saudade, roxa de tão sufocada...

Do olhar doce no rosto sofrido,

Do colo quentinho, das mãos,

Da voz suave no ouvido:

“- Dorme, filho.”

Trinta e um acabara na contagem em cantilena,

Acompanhando, ao longe, o som da TV preto e branco

Com um chumaço de palha de aço na antena.

O menino imóvel permanecia, sem entender:

Do que tanto ria e festejava esse povo,

Se não passara por ele o tal do ‘Ano Novo’?


Que em 2008 sejamos mais felizes. Mesmo que isso signifique apenas termos consciência de que já somos felizes hoje. Não pela comparação com a miséria alheia mas pelo simples fato de estarmos vivos, amarmos e sermos amados por quem está conosco e por quem já não vemos mais mas vive em nossa lembrança. Tenham fé. E um Feliz Natal.

sábado, 15 de dezembro de 2007


Certa vez li, em um estudo kardecista, que a depressão é uma doença da alma. Aliás, muitas doenças manifestam-se fisicamente bem depois do espírito as ter contraído. Pois é, deu para notar que não estou muito bem hoje... Mas não deixa de ser interessante procurar algo de bom em um estado de espírito desfavorável. Um exercício e tanto, questão de insistência. Isso, a insistência, na maioria das vezes, é a diferença entre um possível fracasso e um estrondoso sucesso. Podem chamar como quiserem: determinação, fé, qualquer nome vale. Mas não confunda: Quando cito "fé" não estou falando em "religiosidade". Religião, cada um tem a sua( Não se engane, até o "não ter uma religião" é uma religião: A crença de que nada é divino). Conheço gente religiosa (de várias religiões) que não tem a mínima idéia do significado da palavra "fé". Você não precisa repetir para acreditar, não precisa doar por doar (doe pelo outro, não por você mesmo, ou será alívio de consciência ao invés de caridade. Uma linha tênue entre o altruísmo e o egoísmo.), só precisa crer. Aí os cânticos, os louvores, as preces, os mantras, os mais simples pensamentos terão o endereço certo. E no final do dia, principalmente daqueles onde tudo aparentemente deu errado, não esqueça: Agradeça! Pode ter certeza, você terá aprendido alguma coisa.



Fé-losofia (20071215 DF)

Dizia minha Vó:

“-Deus é bom.”

Nisso eu até hoje acredito.

Mas dizia ela também:

“Deus está em tudo.”

Disso – O Senhor me desculpe –

Eu já duvidei um bocado.

Estar Deus em todas as coisas,

Significa não só estar aqui, acolá,

Ali do lado,

É estar também nas coisas ruins.

E isso, para mim, soa esquisito.

Pode Deus estar na fome?

Estar nas guerras, na injustiça?

Na preguiça dos governantes?

Não, partindo da primeira premissa.

E era mesmo isso que eu achava antes.

Mas hoje não é.

Nos olhos do soldado, da faminta menina

E do injustiçado percebi a esperança

De logo ver o conflito resolvido,

O estômago saciado

E a justiça triunfante,

Mesmo que somente a divina.

A experiência deixou meu preconceito mudo,

Diria embasbacado, até.

Descobri que Deus não está onde existe tudo:

Deus está onde existe a fé!