terça-feira, 29 de junho de 2010

Enfim, um dia. (DF, 29062010)


Acordei velho.


Ontem não era.


Trocaram-me, dormindo,


Por esse corpo enrugado


Que me olha do espelho,


Nu, sem pêlo.


Sinto as gengivas baterem


No mesmo ritmo do frio


A maltratar minhas juntas.


Arrasto os pés pelo chão gelado


Até perto da cama.


Visto um pijama de flanela


Enquanto vejo, pela janela,


O jovem que eu era


Desaparecendo no final da rua.


Com as mãos trêmulas,


Pego papel e caneta


E vou até a escrivaninha.


Debruço-me sobre a folha.


Ela espera-me como uma virgem,


Pálida.


Nada.


Estou impotente ante seus apelos.


Da minha cabeça


Não brotam mais palavras,


Apenas caem ralos fios de cabelo.



Despedida (DF, 29062010)


Vou embora.


Já estou atrasado para rir de tudo,


Jogar fora as fotos


Que ora tomam espaço sobre o criado-mudo.


Não faço a mínima questão de ocupar


Minhas memórias com suas máximas.


Tenho pás ao invés de mãos,


E um coração livre de arrependimentos.


E isso é tudo que preciso para enterrar nossos momentos


Nas covas de seu falso sorriso.


Dedicar-te-ei estas últimas linhas


Apenas para dizer que, de você,


A ausência é o maior presente.


Não há mais gestos cujos gastos justifiquem-se.


Nada sobrou: Nem pena, tampouco pedras,


Qualquer saudade,


Ou mesmo um pingo sequer de maldade.


Sei que não será fácil,


Mas aceite estas palavras minhas.


Elas são a verdade que falta


Entre as breves linhas do seu epitáfio.



segunda-feira, 28 de junho de 2010

A verdade sobre as crianças


Quando era criança,


Tinha tempo para ver o tempo passar


Era brincadeira o sol,


O sal,


O céu,


O mar.


O projeto que hoje a vida permeia


Era apenas um belo,


Singelo castelo nas brancas areias do Grumari.


O, hoje, cidadão,


Um guri de cabelos desgrenhados


Com balde e pá nas mãos,


Acompanhando o movimento ritmado


Dos ventos e das marés


Com os pés dentro d’água,


Sem mágoas cheias ou vazantes,


Passado em fotos nas cabeceiras,


Paredes, estantes.


As crianças não são


Simples seres humanos.


Vejo-as brincar intimamente


Com as belezas do mundo


E aquele instante


Parece durar eternamente.


Vejo meu reflexo


Naqueles olhos sempre atentos:


Os olhos das verdadeiras donas do tempo.