quarta-feira, 7 de maio de 2008

Caixa Preta (07052008DF)

Quando a aeronave espatifou-se contra o solo naquela ensolarada manhã de abril, as emissoras de rádio e televisão transmitiam ao vivo a cerimônia de formatura dos cadetes do sétimo regimento. Foi tudo muito rápido. Em uma manobra exaustivamente praticada, o caça perdeu altura e acabou-se em uma bola de fogo. A esperança do piloto ter ejetado logo foi dando lugar ao desespero. O resgate chegava rápido ao local da queda, mas só havia chance de recolher os pedaços do avião e do piloto, Capitão Adam Avlis. Tinha acabado de se formar e esse era o seu primeiro vôo de exibição. Um filme passou na cabeça da sua mãe, que assistia à cerimônia do palanque central: Desde pequeno o filho sonhara com aquele momento, quando deixava de lado os carrinhos e a bola de futebol para brincar com aviões de papel. Cresceu, estudou, e nunca pensou sequer em seguir outro caminho. Viveu a vida inteira para aquele momento. Viveu a vida inteira para morrer ali, na sua frente. Ela, apesar de toda a dor, sabia que o filho estava realizado. Tinha certeza que valera a pena. Os outros tentavam entender o porquê dele não haver seguido outro caminho, inconformados de uma trajetória tão bela terminar assim. Soubesse ele, talvez tivesse topado tudo de novo. Ou faria tudo diferente, brincaria com os carrinhos e a bola de futebol. Sem viver, nem ele, nem ninguém tem como dizer . Pois é, fica tão mais fácil julgarmos quando não estamos calçados nos sapatos do réu. Entendo a natureza humana e acolho os veredictos com o respeito que ocasionalmente falta ao júri. Mas não peçam para eu aceitar a cobrança por uma sabedoria que ninguém jamais terá. Vão viver, filhos.

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